MARCOS VINÍCIUS DE JESUS MIOTTO[1]
(orientador)
RESUMO: Este artigo aborda o risco de desenvolvimento como excludente de responsabilidade civil a partir do estudo de caso envolvendo a talidomida, que, quando lançada no mercado, não apresentava informações suficientes sobre a saúde e segurança dos consumidores, tendo seus efeitos adversos sido revelados posteriormente. A ausência de menção explícita ao risco de desenvolvimento no Código de Defesa do Consumidor brasileiro resulta em divergências doutrinárias. O objetivo central da pesquisa é analisar se o risco de desenvolvimento deve ser considerado uma hipótese de exclusão da responsabilidade do fornecedor pelos danos causados por seu produto. No Brasil, existem duas correntes doutrinárias sobre o assunto, e a discussão continua a evoluir, influenciando a responsabilidade dos fabricantes. A metodologia utilizada emprega pesquisa bibliográfica e também o método indutivo, partindo do estudo do caso da talidomida com foco no risco de desenvolvimento como excludente de responsabilidade civil no mercado de consumo. Além disso, foram analisadas legislações, doutrinas e jurisprudências para verificar as medidas adotadas para efetivar esse direito. Conclui-se, ao final, qual tese doutrinária vem sendo adotada pelos tribunais.
PALAVRAS-CHAVE: Direito do Consumidor. Exclusão da responsabilidade. Fornecedor. Risco do desenvolvimento. Talidomida.
ABSTRACT: This article addresses the risk of development as an exclusion of civil liability, based on the case study involving thalidomide, which, when launched on the market, did not provide sufficient information about consumer health and safety, with its adverse effects being revealed later. The absence of explicit mention of the risk of development in the Brazilian Consumer Defense Code results in doctrinal divergences. The central objective of the research is to analyze whether the risk of development should be considered a hypothesis for excluding the supplier’s liability for damages caused by their product. In Brazil, there are two doctrinal currents on the subject, and the discussion continues to evolve, influencing manufacturers’ liability. The methodology used employs bibliographic research and the inductive method, starting from the case study of thalidomide with a focus on the risk of development as an exclusion of civil liability in the consumer market. Additionally, legislation, doctrines, and jurisprudence were analyzed to verify the measures adopted to enforce this right. In conclusion, it is determined which doctrinal thesis has been adopted by the courts.
KEYWORDS: Consumer Law. Exclusion of Liability. Supplier. Development Risk. Thalidomide.
1 INTRODUÇÃO
A tragédia do fármaco Talidomida ilustra a complexidade da responsabilidade civil no contexto do direito do consumidor. A adoção ou não do risco de desenvolvimento como excludente de responsabilidade envolve um equilíbrio entre a proteção do consumidor e os avanços científicos. Neste cenário, existem duas correntes doutrinárias que refletem diferentes teses sobre a responsabilidade civil e a proteção do consumidor.
O risco de desenvolvimento refere-se à possibilidade de que certos riscos associados a um produto ou serviço não sejam conhecidos ou identificados no momento de sua introdução no mercado. Esses riscos só se tornam visíveis ao longo do tempo, pois não era possível identificá-los na época, dado o estágio limitado da ciência e tecnologia. A talidomida é um exemplo emblemático desses riscos.
Desenvolvida na Alemanha e comercializada em 146 países a partir de 1957, incluindo o Brasil, a talidomida foi descoberta em 1960 como causadora de graves deformações fetais quando consumida nos primeiros três meses de gestação. Esses efeitos colaterais incluíam encurtamento dos braços e pernas, cegueira e surdez. Devido a esses efeitos devastadores, o medicamento foi retirado do mercado mundial em 1961, mas no Brasil isso só ocorreu em 1965, resultando em um atraso de quatro anos.
O Código de Defesa do Consumidor estabelece, nos artigos 12 e 14, a responsabilidade objetiva dos fornecedores, o que significa que são responsáveis por danos causados aos consumidores independentemente de culpa, sendo baseada no risco da atividade econômica. Por sua vez, em que pese a Constituição Federal garantir a livre iniciativa, isso implica a assunção dos riscos inerentes à atividade econômica.
Portanto, os fornecedores devem estar preparados para lidar com as incertezas e possíveis danos que possam surgir, garantindo a proteção dos consumidores. Com isso, o objetivo deste estudo é analisar a responsabilidade civil dos fornecedores no contexto do direito do consumidor, com ênfase no conceito de risco de desenvolvimento e sua aplicação prática.
No primeiro tópico, será abordada a história da talidomida, analisando, especialmente, os problemas decorrentes da falta de segurança e de informações acerca de seu uso. Essa abordagem se revela necessária por constituir a base para a discussão acerca da responsabilidade civil e dos riscos associados ao desenvolvimento de produtos, com destaque para a necessidade de regulamentação rigorosa para a proteção dos consumidores.
Na sequência, o risco do desenvolvimento é apresentado como hipótese de excludente da responsabilidade civil. Essa discussão é fundamental para entender como este instituto pode ser mitigado em situações em que o desenvolvimento de produtos ou serviços apresenta riscos que não eram previsíveis no momento de sua comercialização, permitindo uma reflexão sobre a dinâmica entre inovação e segurança, destacando a necessidade de equilibrar a proteção do consumidor com a viabilidade do desenvolvimento tecnológico. Ao considerar o risco de desenvolvimento, é possível entender melhor as implicações legais e éticas que cercam a responsabilidade dos fornecedores.
O último tópico reúne os fundamentos jurídicos e doutrinários que sustentam a aludida excludente de responsabilidade civil a partir da exploração dos argumentos em sentido contrário, que defendem a proteção integral do consumidor. Nesse sentido, o tópico ainda apresenta decisões judiciais que ilustram a aplicação da teoria no ordenamento jurídico pátrio, permitindo uma visão crítica sobre como o risco do desenvolvimento.
Por fim, propõe-se uma reflexão sobre as implicações da teoria do risco de desenvolvimento visando à proteção do consumidor e a inovação no mercado. A tensão entre a necessidade de proteger os consumidores e a promoção da inovação é um tema central no debate jurídico contemporâneo, e entender como o risco do desenvolvimento se encaixa nesse contexto é fundamental para a construção de um ambiente regulatório equilibrado.
Para tanto, a pesquisa realizada se caracteriza como qualitativa, exploratória e descritiva, com o objetivo de aprofundar a compreensão das interpretações doutrinárias e jurisprudenciais relacionadas ao tema em questão. Para isso, foram analisadas as nuances da legislação pertinente, com especial atenção ao Código de Defesa do Consumidor, que serve como um pilar fundamental na proteção dos direitos dos consumidores.
Por meio dessa abordagem abrangente, espera-se oferecer uma visão clara e fundamentada sobre como o risco de desenvolvimento pode ser tratado na prática, promovendo um diálogo construtivo entre a inovação e a proteção do consumidor. Assim, a pesquisa não só contribui para o debate acadêmico, mas também para a aplicação prática das normas jurídicas em um cenário em constante evolução.
2 TALIDOMIDA: FATO DO PRODUTO E EXCLUSÃO DA RESPONSABILIDADE CIVIL
A talidomida, um medicamento amplamente comercializado na Europa durante as décadas de 1950 e 1960, foi inicialmente prescrita para mulheres grávidas, com o objetivo de aliviar os enjoos da gestação (Lima; Fraga; Barbeiro, 2001, p. 683). Em testes realizados em roedores, a droga demonstrou alta eficácia e baixo risco de intoxicação, sendo considerada segura e atóxica. Por isso, sua comercialização foi autorizada sem contraindicações significativas (Silveira et al, 2001, p. 5).
Comercializada globalmente no final dos anos 1950 e início dos anos 1960, a talidomida rapidamente se tornou um medicamento amplamente utilizado. No entanto, logo começaram a surgir relatos de graves efeitos colaterais, apontando que o medicamento causava malformações congênitas severas, caracterizadas pelo encurtamento dos membros fetais, além de casos em que os fetos não sobreviviam (Silveira et al, 2001, p. 6-15).
Com o avanço das investigações, confirmou-se a relação entre a talidomida e essas deformidades, o que levou à sua retirada do mercado mundial em 1961. No Brasil, contudo, o medicamento continuou sendo comercializado até 1965, gerando uma segunda geração de vítimas (Silveira et al, 2001, p. 6-15).
Após a retirada tardia da talidomida no Brasil, muitas famílias das vítimas buscaram reparação judicial contra os laboratórios responsáveis, o que resultou na promulgação da Lei n.º 7.070/82, reconhecendo os erros na gestão da saúde pública e estabelecendo uma pensão especial, mensal, vitalícia e intransferível para as vítimas que comprovassem a relação entre a malformação e o uso do medicamento (Brasil, 1982).
Dessa forma, estabelece o artigo 1º, da Lei n.º 7.070/82:
Art. 1º. Fica o Poder Executivo autorizado a conceder pensão especial, mensal, vitalícia e intransferível, aos portadores da deficiência física conhecida como “Síndrome da Talidomida” que a requererem, devida a partir da entrada do pedido de pagamento no Instituto Nacional de Previdência Social – INPS (Brasil, 1982).
Ademais, o Tribunal Regional Federal da 3ª Região, condenou a União a indenizar por danos morais as pessoas que têm a Síndrome de Talidomida, elevando em cem vezes o valor da pensão vitalícia que as vítimas já recebem (Minorello, 2009).
Essa decisão do TRF3 sobre o aumento do valor da indenização reforça a proteção ao consumidor e estabelece um precedente jurídico importante, influenciando de certa forma decisões futuras e incentivando a maior vigilância e pesquisa por parte dos fornecedores. Além disso, intensifica o debate doutrinário sobre a teoria do risco do desenvolvimento.
Nesse sentido:
Fica evidente que houve falha das autoridades sanitárias ao não impedirem que a Talidomida fosse comercializada no Brasil até o ano de 1965, quando seus efeitos nefastos sobre os fetos já eram conhecidos da comunidade científica mundial, acarretando, em consequência, a responsabilidade pela indenização por dano moral às suas vítimas (Brasil, 2009).
O que se observa, portanto, a partir desta análise factual, é que o avanço tecnológico, principalmente ligado a medicamentos, pode potencialmente comprometer a segurança do próprio consumidor a quem se destina.
A talidomida é um trágico exemplo de “risco do desenvolvimento”, um termo atualmente usado no âmbito do Direito do Consumidor, pois a principal função de um produto, quando colocado no mercado, é assegurar o seu funcionamento e atender à necessidade do consumidor sem colocar em risco a sua integridade física.
Em virtude disso, o Código de Defesa do Consumidor, em seu artigo 10, proíbe o fornecedor de colocar no mercado de consumo produtos ou serviços que apresentem alto grau de nocividade ou periculosidade à saúde ou segurança do consumidor (Brasil, 1990).
Entretanto, mesmo após o produto ou serviço ser posto em circulação, ele pode não atingir as expectativas de quem o compra e causar-lhe danos. Com isso, o CDC adota o sistema da responsabilidade civil objetiva, ou seja, nos casos de fato do produto e do serviço, o fornecedor não será responsável por todos os danos decorrentes, uma vez que o artigo 12, § 3º, o isenta da responsabilidade civil, salvo se comprovado que ele não inseriu o produto ou serviço no mercado; que o defeito não existe; ou que a culpa é da vítima ou de terceiros.
Com base nisso, o artigo em questão visa abordar o risco do desenvolvimento na medida em que os danos decorrentes de um produto ou serviço passem a ser aceitos como algo habitual, devido ao colossal avanço tecnológico hodierno. Até que ponto o caso da talidomida se encaixa no contexto judiciário brasileiro? E também, analisar em que momento o risco do desenvolvimento pode vir a ser utilizado como excludente da responsabilidade civil, explorando as sutilezas teóricas apresentadas pela doutrina brasileira sobre o assunto. Ao final, pretende-se esboçar as observações finais.
A defesa do consumidor é, de fato, um direito fundamental consagrado na Constituição Federal do Brasil. Está previsto no artigo 5º, inciso XXXII, que estabelece a obrigação do Estado de promover a defesa do consumidor na forma da lei. Além disso, o artigo 170, inciso V, reforça esse princípio ao determinar que a ordem econômica deve assegurar a todos uma existência digna, conforme os ditames da justiça social, observando o princípio da defesa do consumidor (Brasil, 1988).
Esses princípios sublinham a importância de proteger o consumidor e garantir que a ordem econômica cumpra sua função social. Argumentar que a responsabilização do fornecedor pelo risco de desenvolvimento comprometeria os avanços tecnológicos não se sustenta, pois, a dignidade da pessoa humana deve ser garantida acima de tudo. Produtos inseguros não podem ser testados em consumidores sem garantias adequadas, pois isso compromete sua integridade física e psicológica.
Além disso, o Decreto nº 10.534, de 28 de outubro de 2020, institui a Política Nacional de Inovação (PNI) e estabelece diretrizes para promover a inovação no Brasil. Este decreto visa garantir a continuidade das pesquisas de novos produtos e tecnologias, assegurando que essas inovações não comprometam a dignidade do consumidor. A PNI busca criar um ambiente favorável à inovação, incentivando a pesquisa e o desenvolvimento, ao mesmo tempo em que protege os direitos dos consumidores, garantindo que os avanços tecnológicos não resultem em prejuízos à saúde e segurança dos usuários (Brasil, 2020).
Entre os mecanismos previstos para alcançar esse objetivo estão a realização de seguros ou o repasse dos custos adicionais ao preço do produto de forma justa. Caso contrário, a indústria e a sociedade se beneficiariam do desenvolvimento de produtos e serviços às custas de consumidores específicos que arcariam sozinhos com os danos, o que afronta os princípios que visam assegurar respeito e segurança ao consumidor (Brasil, 2020).
A desigualdade entre consumidores e empresas de tecnologia reforça a necessidade de responsabilização do fornecedor. Nas precisas lições de Barbosa (1980, p. 20), a verdadeira igualdade consiste em tratar desigualmente os desiguais na medida de suas desigualdades. Tratar igualmente os desiguais seria uma desigualdade flagrante, não uma igualdade real.
Portanto, os princípios constitucionais, que têm aplicação direta e imediata, indicam que o fornecedor deve ser responsabilizado nos casos de risco de desenvolvimento. Todas as normas infraconstitucionais devem ser interpretadas à luz da Constituição. O artigo 931 do Código Civil prevê que “os empresários individuais e as empresas respondem independentemente de culpa pelos danos causados pelos produtos postos em circulação” (Brasil, 2002). O Código de Defesa do Consumidor também dispõe, no artigo 12, a responsabilidade do fornecedor independentemente de culpa.
Assim, tanto os princípios constitucionais quanto a responsabilidade objetiva colaboram para estabelecer um ambiente de consumo mais seguro e justo para o consumidor. A responsabilidade objetiva, ao não exigir a comprovação de culpa do fornecedor, garante uma proteção mais eficaz ao consumidor, que é a parte mais vulnerável na relação de consumo. No entanto, alguns doutrinadores debatem sobre a extensão dessa responsabilidade, especialmente no que diz respeito ao risco do desenvolvimento. Eles argumentam que, em certos casos, o fornecedor poderia ser isentado de responsabilidade se o defeito do produto só se tornar conhecido após sua introdução no mercado, devido a avanços tecnológicos posteriores, que acordaremos em seguida.
3 RISCO DO DESENVOLVIMENTO E A LEGISLÇÃO PÁTRIA
O risco do desenvolvimento refere-se a situações em que os riscos associados a um produto ou serviço não são conhecidos ou identificáveis no momento de sua introdução no mercado. Esses riscos só vêm a ser descobertos ao longo do tempo, com o avanço da ciência e da tecnologia. Isso significa que, mesmo que um produto seja considerado seguro de início, novos riscos podem ser identificados com o tempo, à medida que mais informações e conhecimentos se tornam disponíveis.
Calixto (2004, p. 176) conceitua o risco do desenvolvimento como aquele risco que não pode ser cognoscível pelo estado mais avançado da ciência e da técnica no momento em que é posto em circulação e que só vem a ser descoberto tempo depois do uso, em decorrência dos estudos científicos.
Nesse sentido, o risco do desenvolvimento estaria ligado à ideia de desconhecido, algo que não tem como ser identificado à época da sua introdução, podendo trazer efeitos nocivos, pois, ainda que passem pelo estado mais avançado da ciência, não podem ser vistos ou conhecidos.
Ademais, embora não trate explicitamente do risco do desenvolvimento, o Código de Defesa do Consumidor adota a responsabilidade objetiva, prevista nos artigos 12 e 14, que obriga o fornecedor a reparar os danos causados aos consumidores decorrentes de vício do produto, informações insuficientes ou inadequadas ou, ainda, de falhas na prestação de serviços, independentemente da inexistência de culpa. O artigo 927, parágrafo único, do Código Civil, que o Código de Defesa do Consumidor aderiu, prevê a responsabilidade objetiva, sendo dessa forma direcionada aos fornecedores e prestadores de serviço (Vilen, 2021).
À luz do artigo 186 do Código Civil, a responsabilidade civil estabelece que “aquele que, por ação ou omissão voluntária, negligência ou imprudência, violar direito e causar dano a outrem, ainda que exclusivamente moral, comete ato ilícito”, e no artigo 927, “aquele que, por ato ilícito (arts. 186 e 187), causar dano a outrem, fica obrigado a repará-lo” (Brasil, 2002).
De acordo com os artigos, podemos identificar os seguintes pressupostos que caracterizam a responsabilidade civil: ato ilícito, dano e nexo causal, que conecta todos os pressupostos. Em regra, é necessária a comprovação do dolo ou culpa do agente (Monteiro, 2021).
Nas relações de consumo, os direitos do consumidor foram estabelecidos para proteger os indivíduos em um mercado cada vez mais complexo e dinâmico. O Código de Defesa do Consumidor, por exemplo, visa garantir que os consumidores não sejam prejudicados por práticas abusivas e produtos defeituosos. Ele estabelece a responsabilidade objetiva do fornecedor, ou seja, o fornecedor é responsável pelos danos causados independentemente de culpa, bastando a comprovação do defeito do produto e do nexo causal entre o defeito e o dano sofrido pelo consumidor (Venosa, 2018, p. 719-720).
Além disso, o Código de Defesa do Consumidor prevê mecanismos de proteção e reparação, como a inversão do ônus da prova em favor do consumidor, facilitando a defesa de seus direitos. Isso é especialmente importante em um mercado onde os consumidores muitas vezes enfrentam dificuldades para provar a culpa do fornecedor.
Desse modo, a legislação é importante para estabelecer um equilíbrio entre a proteção do consumidor e a responsabilidade dos fornecedores. Ao impor a responsabilidade objetiva, o CDC incentiva as empresas a manterem altos padrões de segurança, ao mesmo tempo que protege o consumidor de danos imprevisíveis.
A respeito do tema, existem duas posições doutrinárias divergentes. Uma corrente minoritária é favorável à exclusão da responsabilidade civil do fornecedor, sob o argumento de que o perigo do produto não é cognoscível no momento de sua inserção no mercado. Mesmo comprovada sua segurança, testado e aprovado, o fornecedor não poderia assumir a responsabilidade sobre o fato do produto (Reinig; Carnaúba, 2019).
Os doutrinadores que defendem a exclusão da responsabilidade apontam como principais pontos a importância da estimulação de pesquisa e investimento para o desenvolvimento de produtos com maior qualidade e sem riscos. Argumentam que, caso contrário, as indústrias seriam desestimuladas a investir, tornando o mercado menos competitivo e os produtos mais caros e de difícil acesso.
Contrapondo os argumentos favoráveis, a doutrina contrária à exclusão da responsabilidade sustenta que a proteção do consumidor deve prevalecer e que os fornecedores devem ser responsabilizados por todos os danos causados por seus produtos, independentemente de quando os riscos foram descobertos, pois foram os responsáveis por introduzir o produto no mercado de consumo.
Assim como no caso da talidomida, em que os fornecedores foram obrigados a reparar todos os danos causados às vítimas. Essa perspectiva enfatiza a importância de garantir a segurança e a integridade dos consumidores. Entretanto, o risco do desenvolvimento, segundo Calixto (2004, p. 9), deve ser analisado em dois pontos: do ponto de vista técnico e temporal.
Do ponto de vista temporal, deve-se considerar o momento em que o produto é posto em circulação; do ponto de vista técnico, como já diz o nome, leva-se em conta a ciência e a tecnologia ao seu rigor. Dessa forma, o fornecedor é pressionado a usar esses conhecimentos técnicos na criação do produto ou serviço.
Calixto ressalta que é extremamente difícil para o fornecedor provar que, no momento da introdução do produto no mercado, não havia conhecimento científico capaz de prever os riscos. Ele critica essa dificuldade, argumentando que isso nos leva de volta à responsabilidade subjetiva, pois pode ser demonstrado que a pesquisa não foi realizada adequadamente (Calixto, 2004).
É importante destacar que a vulnerabilidade do consumidor, protegida pela lei, baseia-se na sua fragilidade em relação ao fornecedor. O fornecedor, por exemplo, possui controle total sobre os produtos e serviços, além de um poder de barganha desproporcional ao do consumidor, uma vez que detém conhecimento completo sobre todas as fases de produção, técnicas e qualidade do produto ou serviço (Filomeno, 2008).
Essa diferença de poder e informação justifica a aplicação de uma responsabilidade objetiva e a inversão do ônus da prova em favor do consumidor, conforme previsto no Código de Defesa do Consumidor. Essas medidas são essenciais para equilibrar a relação de consumo, garantindo que os consumidores possam buscar reparação de forma mais acessível e eficaz, mesmo diante de fornecedores que possuem maior poder econômico e técnico.
Em síntese, a exclusão da responsabilidade objetiva do fornecedor como risco de desenvolvimento é ainda um tema muito debatido e há defensores dos dois lados. Porém, a lei é omissa a respeito do risco do desenvolvimento como excludente de responsabilidade.
A seguir, analisaremos as teses doutrinárias, comparando-as e discutindo como o risco do desenvolvimento se aplicaria na prática. Essa análise permitirá uma compreensão mais profunda dos argumentos de cada lado e das implicações práticas de adotar uma ou outra abordagem. A comparação entre essas correntes doutrinárias é essencial para avaliar qual delas oferece um equilíbrio mais justo entre a proteção do consumidor e o estímulo à inovação.
4 CORRENTES DOUTRINÁRIAS E A RESPONSABILIDADE CIVIL
No contexto do direito brasileiro, o Código de Defesa do Consumidor implica que o fornecedor é responsável pelos danos causados ao consumidor, independentemente de culpa. Isso inclui defeitos que são aparentes após seu tempo de consumo. No entanto, conforme disposto alhures, há discussões acerca de o risco do desenvolvimento ser considerado uma excludente de responsabilidade.
As discussões doutrinárias sobre a responsabilidade pelos riscos do desenvolvimento no Brasil iniciaram-se com a promulgação do Código de Defesa do Consumidor. Fundamentalmente, formaram-se duas correntes. A majoritária defende que um produto ou um serviço perigoso à saúde ou à vida do consumidor é defeituoso, mesmo que a periculosidade em questão não fosse detectável pelo estado dos conhecimentos científicos e técnicos. A corrente minoritária sustenta que não há legítima expectativa de segurança para além do que os conhecimentos científicos e técnicos podem oferecer (Reinig; Carnaúba, 2019).
Essa parte da doutrina defende que os fornecedores não devem ser responsabilizados por riscos desconhecidos no momento da comercialização, argumentando que isso incentivaria a inovação e o desenvolvimento de novos produtos. A ideia é que, ao isentar os fornecedores de responsabilidade por riscos imprevisíveis, cria-se um ambiente mais favorável para a pesquisa e o lançamento de novas tecnologias, sem o medo constante de possíveis litígios futuros (Pereira, 2023).
Importante elucidar que, se essa perspectiva fosse aplicada ao caso da talidomida, os fabricantes poderiam argumentar que não deveriam ser responsabilizados pelos danos causados, pois os efeitos teratogênicos do medicamento eram desconhecidos na época de sua comercialização. Ou seja, significaria que as vítimas não teriam direito à indenização pelos danos sofridos.
Ademais, Stoco (2007, p. 48) entende que as hipóteses narradas no art. 12 do CDC são meramente exemplificativas. Dessa forma, é totalmente aceitável que qualquer situação que exclua o nexo entre causa e efeito seja considerada uma causa de exclusão de responsabilidade.
No mesmo sentido, Marins (1993, p. 163) afirma que “qualquer expectativa de segurança só é legítima se não exigir que o produto supere o grau de conhecimento científico disponível no momento de sua introdução no mercado”.
O autor argumenta que o próprio Código de Defesa do Consumidor admite o risco do desenvolvimento como excludente de responsabilidade. Marins explica que o Código de Defesa do Consumidor garante a segurança contra produtos e serviços perigosos ou nocivos (art. 6º, inc. I). O fornecedor não pode colocar no mercado produtos que sabe ou deveria saber serem perigosos (art. 10). Além disso, para considerar um produto defeituoso, deve-se levar em conta a época em que foi colocado em circulação (art. 12, §1º, inc. III) (Marins, 1993, p. 136).
Corroborando tal entendimento, Tepedino (2006, p. 114):
O conceito de defeito é essencialmente relativo, antepondo duas noções, em determinado contexto histórico: segurança e expectativa dos consumidores. Assim, no risco de desenvolvimento, não existe defeito, por inexistir uma reversão de expectativa em face dos conhecimentos atuais. Não se pode esperar algo que se desconhece. Há, sim, neste caso, periculosidade ou nocividade, objetivamente consideradas, embora desconhecidas pela ciência no momento do oferecimento do produto ou serviço.
Tepedino (2006, p. 114) nos traz esse argumento por entender que é necessário tratar os riscos do desenvolvimento como excludentes, no sentido de que não há defeito no produto. Contudo, a corrente majoritária é contrária à exclusão de responsabilidade, pois acredita que os consumidores devem ser protegidos contra todos os riscos.
Assim como os laboratórios responsáveis pelas vítimas do fármaco talidomida, essa doutrina sustenta que o rol do artigo 12 do CDC é taxativo e não adere a hipóteses de excludente de responsabilidade, exceto as previstas na legislação.
A esmagadora maioria da corrente majoritária defende que o fornecedor deve ser responsabilizado por danos causados por produtos ou serviços, mesmo que os riscos não fossem conhecidos no momento da introdução no mercado. A ideia é que o produto é considerado defeituoso se não oferece a segurança que dele se espera, independentemente do estado dos conhecimentos científicos e técnicos da época (Reinig; Carnaúba, 2019).
Para Calixto (2004, p. 243), a alegação de que o fornecedor deve ser exonerado de sua responsabilidade devido ao desconhecimento dos riscos no momento da comercialização não deve prosseguir. Segundo ele, a responsabilidade objetiva não exige a comprovação da previsibilidade do risco ou defeito, basta apenas que o fornecedor tenha colocado o produto em circulação.
A corrente majoritária argumenta também que os pressupostos da responsabilidade civil do fornecedor se fazem presentes, tornando a decisão uma questão política sobre a responsabilização do fornecedor. Por outro lado, a outra corrente sustenta que o pressuposto “defeito” é inexistente, afastando, assim, a responsabilidade (Calixto, 2004, p. 200).
De acordo com Calixto (2005, p. 53-59), mesmo que o dano causado pelo produto só seja identificado posteriormente, ele ainda constitui uma violação da expectativa de segurança que estava presente desde a introdução do produto no mercado de consumo. Essa situação é crucial para determinar se o produto é considerado defeituoso, não exonerando o fornecedor da responsabilização objetiva.
Dessa forma, os que defendem a responsabilização sustentam que o fornecedor irá monitorar e estudar continuamente o produto, buscando minimizar ou evitar os danos e retirando-o de circulação quando necessário. Outro argumento é de que a responsabilização não causaria retração em pesquisas e ofertas de produtos, pois há mecanismos como seguros ou o repasse de custos de indenizações através do aumento dos preços dos produtos. Além disso, o fornecedor precisaria comprovar que o risco não era previsível à época, e essa desresponsabilização faz com que o consumidor seja uma forma de experimento para o desenvolvimento do produto.
De acordo com o artigo 931 do Código Civil, “ressalvados outros casos previstos em lei especial, os empresários individuais e as empresas respondem independentemente de culpa pelos danos causados pelos produtos postos em circulação” (Brasil, 2002). Isso significa que a responsabilidade civil é objetiva, ou seja, não é necessário provar culpa.
Nessa esteira, conceitua Cavalieri Filho (2012, p. 137):
Todo prejuízo deve ser atribuído ao seu autor e reparado por quem o causou independente de ter ou não agido com culpa. Resolve-se o problema na relação de nexo de causalidade, dispensável qualquer juízo de valor sobre a culpa.
Por sua vez, Calixto (2004, p. 243-244) sustenta que, no caso de risco de desenvolvimento, o produto deve ser considerado defeituoso, não isentando o fornecedor da responsabilidade objetiva.
Cavalieri Filho (2012, p. 476) destaca que, de qualquer forma, o Código de Defesa do Consumidor não exime o fornecedor da responsabilidade pelo risco do desenvolvimento. O autor entende que os riscos de desenvolvimento são considerados um fortuito interno, ou seja, um risco inerente à atividade do fornecedor.
Na mesma linha, Benjamin, Marques e Bessa (2014, p. 182) defendem que o defeito no produto é considerado um defeito na concepção. Eles argumentam que a responsabilidade civil objetiva deve ser aplicada, não eximindo o fabricante, construtor, produtor ou importador. Ou seja, diante do risco de desenvolvimento, eles seguem responsáveis pelos danos causados, independentemente de utilizarem as melhores formas de tecnologia e habilidades práticas no momento da fabricação.
Importante mencionar que o Enunciado nº 43 da I Jornada de Direito Civil: “A responsabilidade civil pelo fato do produto, prevista no artigo 931 do novo Código Civil, também inclui os riscos do desenvolvimento” (Brasil, 2003).
De acordo com o entendimento expresso do enunciado, os fornecedores são responsáveis por danos que possam surgir posteriormente, mesmo que esses danos não fossem previsíveis no momento da concepção. Limitar a responsabilidade apenas ao período de introdução do produto no mercado não é adequado, pois a expectativa de segurança do consumidor deve ser mantida durante todo o ciclo de vida do produto.
Apesar desse tema ser bastante dividido entre a doutrina, os tribunais vêm entendendo na mesma seara da corrente majoritária. A Lei nº 14.125/2021, um exemplo atual que tratou da responsabilidade civil relativa a eventos adversos pós-vacinação contra a Covid-19, permitiu a assunção de riscos pelo poder público, refletindo uma abordagem específica para um contexto emergencial (Calixto, 2023).
Outrossim, o Superior Tribunal de Justiça decidiu no REsp 1774372-RS que o risco do desenvolvimento, que é aquele risco que não podia ser conhecido ou evitado no momento em que o medicamento foi colocado no mercado, é considerado um defeito presente desde a concepção do produto. Esse risco, embora não perceptível inicialmente, caracteriza um fortuito interno, o que implica na responsabilidade objetiva do fabricante (Brasil, 2020).
Na mesma seara, em decisão recente da Segunda Turma Cível do Tribunal de Justiça do Distrito Federal e Territórios na Apelação Cível 0712831-64.2023.8.07.000 (Acórdão 1884298), ao tratar sobre defeito da prestação de serviço bancário, esclarece e reforça o seguinte:
APELAÇÃO CÍVEL. DIREITO DO CONSUMIDOR. BANCO. EMPRÉSTIMO. NEGÓCIO JURÍDICO CELEBRADO MEDIANTE FRAUDE. PRELIMINAR DE ILEGITIMIDADE PASSIVA REJEITADA. RISCOS DA ATIVIDADE ECONÔMICA. CONSUMIDOR. RESPONSABILIDADE OBJETIVA DO FORNECEDOR. DANO MORAL CONFIGURADO. VALOR DA INDENIZAÇÃO FIXADO EM PARÂMETROS RAZOÁVEIS E PROPORCIONAIS. APELAÇÃO CONHECIDA E DESPROVIDA 1. A legitimidade para causa pode ser analisada segundo a Teoria da Asserção ou a Teoria Ecléstica de Liebman, segundo à qual, é preciso que haja a pertinência subjetiva do titular da relação jurídica de direito material. Exige-se a existência de um vínculo entre os sujeitos da demanda e a situação jurídica afirmada, que lhes autorize figurar no polo ativo e passivo da ação, pois ninguém pode pleitear em nome próprio, direito alheio, salvo quando autorizado por lei. 2. O banco que permite a contratação de empréstimos sem a anuência do autor, mediante fraude praticada por terceiros, atua como fornecedor de produtos e serviços, nos termos do artigo 3º, do CDC, e possui, em razão disso, legitimidade para compor o polo passivo de demanda que objetiva a declaração de inexistência de débitos e o ressarcimento pelos prejuízos sofridos. 3. É inegável que as Instituições Financeiras estão cientes do tipo de fraude em que o estelionatário se passa por seu representante e utiliza mecanismos pessoais e intransferíveis dos clientes para realizar o golpe. Com acesso a ampla tecnologia e informações capazes de impedir tais fraudes, é essencial reconhecer o dever do banco de cuidar e proteger seus clientes, o que inclui a análise dos padrões de gastos. 3.1 Assim, mesmo que o consumidor, vítima de estelionatários, tenha sido induzido ao erro de forma fraudulenta, os danos resultantes, quando ultrapassam os padrões de consumo do cliente, são classificados como fortuito interno da atividade bancária e devem ser absorvidos pelo fornecedor. 4. De acordo com o Código de Defesa do Consumidor, as instituições bancárias são responsáveis pela reparação dos danos causados aos consumidores por defeitos na prestação dos serviços, independentemente de culpa. A súmula nº 479 do STJ reforça essa responsabilidade, afirmando que "As instituições financeiras respondem objetivamente pelos danos gerados por fortuito interno relativo a fraudes e delitos praticados por terceiros no âmbito de operações bancárias." 5. Os danos morais se caracterizam pela ofensa ou violação dos bens de ordem moral de uma pessoa, ou seja, representam lesão aos direitos da personalidade do indivíduo, conforme previsto expressamente no artigo 186 do Código Civil e no artigo 5º, incisos V e X, da Constituição Federal. O valor de R$ 7.000,00 a título de danos morais é suficiente para atender ao caráter pedagógico da indenização. 6. Apelação conhecida e desprovida (Brasil, 2024).
Logo, observa-se que tanto os tribunais quanto a jurisprudência brasileira têm rejeitado o risco de desenvolvimento como uma excludente de responsabilidade, priorizando a proteção do consumidor. Essa abordagem resulta em uma interpretação rigorosa da responsabilidade objetiva, assegurando que os fornecedores sejam responsabilizados pelos danos causados por seus produtos, independentemente de seu conhecimento sobre os riscos associados à sua comercialização
Dessa forma, o caso da Talidomida resultou em mudanças significativas para a proteção dos consumidores, reforçando a importância de estudos contínuos para garantir a segurança dos produtos. Esse caso emblemático evidenciou a necessidade de uma legislação robusta e de uma aplicação judicial que assegure a máxima proteção ao consumidor, prevenindo danos e promovendo um mercado mais seguro e justo.
5 CONCLUSÃO
A pesquisa evidencia que, com a rápida evolução dos produtos e serviços, os consumidores se encontram em uma posição de maior fragilidade. Nesse contexto, o Código de Defesa do Consumidor desempenha um papel crucial ao estabelecer a responsabilidade objetiva dos fornecedores pelos danos causados por defeitos em seus produtos e serviços. Essa responsabilidade objetiva é fundamental, pois não exige que o consumidor prove a culpa do fornecedor, apenas que o dano ocorreu em decorrência de um produto ou serviço defeituoso. A escolha do fornecedor para o exercício de sua atividade implica um risco inerente, e é essa responsabilidade que visa proteger o consumidor, garantindo que ele não arque com as consequências de falhas que não são de sua responsabilidade.
O CDC, em seu artigo 12, § 3º, traz exceções nos casos em que o fornecedor consegue comprovar a exclusão da responsabilidade. Quando ele prova não ter colocado o produto em circulação, que o defeito inexiste ou que a culpa é apenas do consumidor ou de terceiros, ficará isento da responsabilidade.
O risco de desenvolvimento é aquele que, ao tempo em que o produto é inserido no mercado, não se pode conhecer cientificamente a sua periculosidade. Essa teoria tem sido utilizada como uma das formas de exclusão da responsabilidade do fornecedor pelo fato do produto, especialmente em contextos onde a inovação tecnológica avança rapidamente.
O objetivo é identificar, a partir do caso Talidomida, em que momento o risco de desenvolvimento pode ser utilizado como excludente da responsabilidade do fornecedor pelo produto.
A doutrina minoritária que defende o risco de desenvolvimento como excludente de responsabilidade utiliza argumentos como o desestímulo tecnológico, afirmando que, ao assumirem a responsabilidade pelo risco, os fornecedores inibiriam a inovação e o progresso tecnológico. Outro argumento utilizado é que o artigo 12 do Código de Defesa do Consumidor é taxativo e relevante. O artigo 12 trata da responsabilidade do fornecedor por produtos defeituosos, e sua redação não menciona explicitamente o risco de desenvolvimento como uma forma de exclusão de responsabilidade.
Contudo, a doutrina majoritária entende que o próprio Código Civil e o Código de Defesa do Consumidor não excluem o fornecedor dessa responsabilidade, na medida em que o perigo não pode ser identificado no momento em que o produto é inserido no mercado. Dessa forma, o fornecedor não deve ser eximido de responder.
Ademais, o setor com maiores probabilidades de casos de risco de desenvolvimento são as indústrias farmacêuticas, pelo fato de o consumo de medicamentos ser alto. Há grandes chances de o risco de algum remédio ser incognoscível e causar problemas até para futuras gerações, como é o caso da talidomida. Como se vê, a talidomida é um exemplo desse risco de desenvolvimento, um produto posto em circulação que, a longo prazo, apresentou sinais de danos à saúde dos fetos.
Destarte, o medicamento não foi inserido no comércio sem avaliações; pelo contrário, foi testado e aprovado. a talidomida ilustra bem como os padrões de avaliação mudaram ao longo do tempo. Embora o medicamento tenha sido testado e aprovado antes de sua comercialização, os métodos utilizados na época eram significativamente menos rigorosos do que os que temos hoje.
No entanto, antigamente, a forma de testes e provas de produtos e medicamentos não contavam com o atual avanço tecnológico. Hoje, com os avanços tecnológicos, é possível realizar testes mais abrangentes e precisos, permitindo uma melhor comprovação da segurança e eficácia dos produtos. Em virtude desses fatos que a talidomida é um exemplo emblemático de risco de desenvolvimento.
A responsabilidade do fornecedor não deve ser vista como uma penalização, mas como um incentivo para que ele realize testes rigorosos e avalie cuidadosamente os riscos antes de disponibilizar um produto ou serviço. Afinal, a confiança do consumidor é essencial para o sucesso de qualquer negócio.
O equilíbrio entre inovação tecnológica e proteção ao consumidor é fundamental. O Código de Defesa do Consumidor busca garantir essa harmonia, assegurando que os fornecedores sejam responsáveis por eventuais danos causados aos consumidores, independentemente do estágio de desenvolvimento do produto ou serviço.
Todavia, é preciso esclarecer que o próprio Código adota a responsabilidade civil objetiva do fornecedor, independentemente de os riscos serem conhecidos ou não. Como vimos na pesquisa, a jurisprudência vem entendendo nesse mesmo sentido. O Código de Defesa do Consumidor tem como princípio a proteção do consumidor, e a responsabilidade objetiva do fornecedor visa justamente garantir essa proteção. Portanto, mesmo que o risco de desenvolvimento não esteja expresso especificamente no artigo 12, ele não é automaticamente excluído.
Como exposto acima, os fornecedores do medicamento talidomida foram responsabilizados a ressarcir as vítimas acometidas pela má formação causada.
Contudo, ressalvados nas linhas do artigo 931 do Código Civil e do artigo 7 do Código de Defesa do Consumidor, entende-se que é possível a aplicação dos dispositivos nas relações de consumo, demonstrando que o conceito de fato do produto e o risco de desenvolvimento podem se encaixar nessa categoria. Dessa forma, responsabiliza-se o fornecedor por todos os danos causados pelo risco de desenvolvimento.
REFERÊNCIAS
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[1]Professor orientador. Mestre em Direito pela Universidade de Marília. Especialista em Direito Administrativo, Direito Público e Direito Digital e Compliance pelo Instituto Damásio Educacional. Professor do Centro Universitário de Jales (UNIJALES). E-mail: [email protected].
Graduanda em Direito pelo Centro Universitário de Jales (UNIJALES).
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: DORISSOTE, Suéllen Reis. Risco do desenvolvimento e a exclusão da responsabilidade civil: caso talidomida Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 04 nov 2024, 04:37. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos /66921/risco-do-desenvolvimento-e-a-excluso-da-responsabilidade-civil-caso-talidomida. Acesso em: 28 dez 2024.
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